Mostrando postagens com marcador medo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador medo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 19 de junho de 2020

A criança pequena e o seu produto


Em um belo dia resolvi fazer macarronada para as minhas filhas e logo fui para o meu quarto trabalhar - período de quarentena - e deixei o pai com elas; pedi para que ele servisse o jantar.

Logo depois, para a minha surpresa, ele me disse que a Eloá - 3 anos - não quis comer nada do macarrão. Estranhei porque ela nunca recusou macarrão. Fiquei pensando naquela noite sobre porquê disso ter acontecido.

No dia seguinte, ele comentou comigo que ela foi ao banheiro e o chamou para higienizá-la porque ela havia feito o número 2; ela pediu para ele ver o produto dela dentro do vaso, parecia que precisava de aprovação do pai para algo que ela tinha acabado de produzir. Ele brincando disse: Nossaaa, quantooooooo.

Passando-se algumas horas ela falou para o pai que não comeu o macarrão porque fazia muito número 2.

Hum, agora captei a vossa mensagem, querida filha.

O produto dela, pela sua leitura baseada no comentário do pai, era algo fora do normal e impróprio, por isso deveria ser banido da vida. O mais interessante é que o macarrão pagou o pato. O pai dela me revelou que já tinha falado, brincando, sobre o número 2 dela há algum tempo, várias vezes, aliás, bem antes do macarrão virar assunto.

Ai papai levado...

Para desconstruir essa leitura equivocada e fantasiosa dela, criada pela fala do pai, eu precisei intervir nesse momento em relação ao número 2 e comecei a elogiar o produto dela dizendo que era lindo e bonito. Ela, com muito espanto, após a minha fala, quis ver e ter certeza de que eu tinha razão e pulou do vaso para reconhecer a sua obra prima haha. Com esse ímpeto logo percebi que, realmente, a leitura dela não era de que produzia algo bom, devido o seu espanto em ouvir um elogio do seu produto.

Como criança pequena, ela ainda não sabe assimilar o que é piada e o que verdade, já falei isso para o pai várias vezes, mas ele ainda insiste, aff (temos a mania de lidar com as crianças como se fossem adultos, mas esse assunto merece um post à parte). E ela começou a projetar no macarrão o grande vilão da história e queria bani-lo de qualquer jeito da sua vida.

"Não posso ter um produto impróprio, que espanta o meu pai. Isso é ruim, feio, inadequado, e preciso fazer algo para que isso não aconteça mais."

O mais importante que precisamos perceber aqui é: a criança pequena está em um processo de autoafirmação no mundo e precisa ser aceita em todos os níveis de relações, principalmente no que se refere ao que ela produz: seja o número 2, um desenho, um boneco de massinha, etc. Em tudo que ela produz busca aprovação. Precisa que o seu produto seja aceito e não rejeitado ou inadequado. A sensação de inadequação é algo nocivo, que remete à sua própria identidade, e é doloroso aceitar que não é aceita em algum momento. Não que ela não precise lidar com a frustração, sim, precisa, mas não nesse episódio de produção.

Importante nós, pais, tomarmos consciência da influência das nossas falas, mesmo que sejam na brincadeira, e entendermos o poder e o peso que podem definir a leitura disfuncional dos nossos filhos, não só na infância, mas para toda uma vida. Imagine se não houvesse intervenção, uma crença de inadequação estivesse ali sendo construída e reforçada ao longo da vida e nada do que ela produzisse fosse bom. No futuro, o dano estaria feito.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

A criança e o medo de perder o brincar


Após 2 meses sem aula e sem poder ir a escola, a minha filha de 5 anos reclamou que estava com saudade de brincar na escola, disse que todas as vezes que tinha uma atividade, logo depois, eles brincavam no parque e ela sempre esperava por esse momento. 

Lembro bem que uma das minhas prioridades com a educação infantil para ela sempre foi que o lúdico fosse presente e intenso dentro da escola, é um período tão curto e ainda mais para as minhas filhas, visto que a mais velha ingressou na educação infantil somente com 3 anos e meio. 

Retardar o acesso a escola foi uma das opções que eu escolhi para a minha maternidade porque eu priorizava fortalecer o vínculo afetivo comigo antes delas saírem para desbravar o mundo sozinhas. Eu acredito que deu certo e alcancei meu propósito, porque hoje ela é feliz em ir para a escola. 

Agora com a pandemia, já no último ano de educação infantil, iniciaram as aulas online e meu coração de mãe já se apertou em saber que o lúdico já ficou para trás tão abruptamente e que só restaram as atividades via computador para encerrar o ano. Que dó! O brincar com os amigos da escola daquela forma que ela tanto esperava, ansiosamente, foi tirado dela. 

Logo depois, ela já tinha feito algumas aulas online e demonstrou muita motivação e dizia que adorava estudar para ser inteligente; com o passar dos dias, quando ela percebeu que era só aquilo e que o brincar não existiria mais ela questionou: "Mãe, a atividade é só no computador?" E eu disse: "por enquanto é filha, não dá para voltar para a escola, você sabe." 

No dia seguinte eu a chamei para a aula e ela disse que não queria porque gostava de matemática e a professora não ensinava matemática pelo computador. Logo eu disse que ela iria ensinar, e ela tinha que seguir o livro da escola. Ela, não convencida, falou que só ela que tinha aula e a irmã não tinha, e que poderia ficar só brincando e que ela também queria só brincar, começando a chorar. 

Eu logo notei que algo não velado estava ali naquela fala e naquele choro, ela chorava pela perda do brincar e pela obrigatoriedade só do aprender de um modo que ela já não estava gostando: pelo computador. Não era competição com a irmã e sim o luto do brincar; e ela nem sabe o que vem pela frente com o fundamental, dessa vez doeu mais em mim. 

Engraçado porque ao mesmo tempo levei um susto, eu amo matemática, nossaaaa, a mãe odeia haha. Mas fiquei feliz de saber que ela pode ser diferente de mim e vai buscar seu lugar ao sol do seu jeito e não do meu. 

Caso eu não tivesse percebido a dor do luto pelo brincar talvez eu tivesse sido mais rígida com ela, porque não queria fazer a aula. Mas como eu disse antes: o lúdico sempre foi prioridade nessa fase e a mesma dor dela está doendo em mim também, com muito mais intensidade, é claro. 

Precisei normalizar a emoção dela e dizer que eu estaria junto com ela sempre, mesmo se ela não pudesse mais só brincar na escola e que ela poderia brincar depois da aula igual a irmã. Ela entendeu, parou de chorar e pediu uns cálculos de soma para fazer antes da aula começar e ficou mais tranquila. 

Percebi que o brincar foi substituído pela matemática; "preciso de algo que me motive a continuar estudando já que eu não tenho mais o brincar e a matemática foi a escolhida". Ela até comentou que só queria aprender matemática e eu disse que isso só seria possível quando ela fosse adulta e que poderia escolher estudar só matemática, mas que até lá precisaria aprender de tudo um pouco. 

Ainda notei uma certa angústia no olhar, mas que foi suavizando com a minha presença e com a certeza de que eu estaria com ela para o que der e viesse. 

Importante tomarmos consciência das causas das emoções dos nossos filhos e nunca reagirmos na impulsividade e conforme a nossa regra naquele momento, eles não sabem identificar por que se sentem mal por algo, e as emoções sempre vão vir acompanhadas de choro e irritação para expressar alguma dor, principalmente a perda de algo muito importante para eles. 

Eu sei que não é fácil, mas o diálogo com a criança faz a causa daquela emoção ficar mais visível e, aí sim, podemos tomar providências baseadas na causa e nunca na expressão da emoção e do comportamento inadequado. 

Lembrem-se, nós adultos às vezes também não sabemos por que estamos com emoções negativas e nos perdemos em comportamentos inadequados, imagina uma criança que ainda não tem um cérebro totalmente desenvolvido, né? 

Vamos aprender a fazer um melhor leitura da linguagem não verbal dos nossos filhos, a saúde mental deles agradece.

Postagens Recentes

A autonomia também pode ser demais